Revista de Economia e Sociologia Rural
https://revistasober.org/article/doi/10.1590/1234-56781806-94790550110
Revista de Economia e Sociologia Rural
Resenha

Resenha

Decio Zylbersztajn

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Resumo

São raras as obras que analisam a economia da agricultura brasileira, em geral apresentando uma fotografia setorial e estatísticas descritivas. A obra de Fabio Chaddad traz uma proposta diferenciada da abordagem tradicional de cunho setorial. A preocupação com a evolução da agricultura salta aos olhos do leitor com destaque para aspectos organizacionais que abrangem a diversidade geográfica e a dimensão institucional. Trata-se de análise econômica da melhor qualidade.

A obra é menos uma fotografia e mais um filme, ou seja, apresenta uma análise evolutiva da agricultura brasileira e identifica fatores que a conduziram ao papel de liderança global. O objetivo da obra é trazer à luz dois elementos que os economistas costumam negligenciar: o empreendedorismo e a coordenação das cadeias de produção. Enquanto método, a obra resulta de estudo realizado pelo autor com produtores e organizações agrícolas no Brasil em 2014. A visão aplicada de Chaddad evita jargões, adota linguagem simples e demonstra o conhecimento econômico embutido nas análises. Estudos de caso servem para ilustrar os conceitos apresentados e a revisão sobre ganhos de produtividade da agricultura brasileira é tratada de modo comparativo com outras regiões agrícolas.

Os capítulos que dão estrutura à obra tratam do meio físico das regiões agrícolas, das organizações - sejam as unidades de produção, sejam as entidades de representação setorial - e das instituições. Ganha destaque o papel das organizações de ação coletiva, as cooperativas, tema sobre o qual o autor dedicou boa parte da sua carreira de pesquisador.

O livro focaliza o período entre 1975 e 2010. O capítulo que trata dos ganhos de produtividade dos fatores faz ver que o desempenho da agricultura é consistentemente acima do desempenho médio da economia brasileira. Os resultados são visíveis na redução consistente dos preços dos alimentos pagos pelos consumidores brasileiros e na ampliação da presença dos produtos agrícolas nos mercados internacionais. O estudo aponta para dois fatores institucionais subjacentes ao sucesso, quais sejam, as estruturas de crédito rural e da pesquisa agrícola.

Os fatores condicionantes do sucesso incluem os tradicionais, com base nos recursos naturais, bem como a organização e coordenação das cadeias de produção. A capacidade de a agricultura transacionar com setores concentrados, superar as falhas nos serviços públicos como a extensão rural e os elevados custos de transação presentes na economia brasileira são fatores construídos pelos agentes econômicos.

O autor atinge o ponto alto da obra ao tratar do padrão organizacional e de coordenação das cadeias de produção. O olhar analítico se volta para os elementos econômicos que pautam a coordenação contratual e de integração vertical presentes nas diferentes regiões. No Sul, os produtores imigrantes produzem com escala média de 40 ha, são organizados em ações coletivas e agricultura de contratos. As cooperativas e as empresas integradoras de aves e suínos ofertam os serviços que o Estado não consegue ofertar, criando condições para a permanência dos pequenos produtores na atividade. Contratos entre produtores e indústria processadora são a base da coordenação.

Na região Sudeste predomina o padrão de produtores maiores, especializados, orientados para exportação e integrados verticalmente. Os exemplos das cadeias de laranja, café, açúcar e papel e celulose sugerem o padrão de coordenação vertical que as levou a competir nos mercados internacionais. A região Centro-Oeste é tratada como a fronteira dinâmica com escala média de 330 ha, presença de produtores familiares-comerciais que utilizam mão de obra contratada complementar. Relata a presença das corporações agrícolas que gerenciam múltiplas unidades de produção que podem exceder a escala de 30 mil ha.

A análise das cooperativas agrícolas tem o respaldo da experiência do autor como pesquisador do tema. Ressalta a importância das ações coletivas como fator do sucesso na região Centro-Oeste. O estudo feito com 43 cooperativas identifica nas estratégias adotadas com foco na comercialização de insumos, na produção e comercialização agrícola e na decisão de não integrar verticalmente no sentido do processamento dos produtos. Ou seja, a busca da eficiência com base na ação coletiva expressa em comprar, produzir e vender com eficiência.

A conclusão da obra destaca os elementos explicativos do sucesso da agricultura brasileira e não se furta a apontar desafios a serem enfrentados. Recursos naturais, disponibilidade de terras, investimentos em tecnologia, estrutura de crédito, acesso aos mercados são tratados em conjunto com fatores menos abordados pelos economistas: o empreendedorismo e a capacidade de coordenar as cadeias de valor.

O contraexemplo da cadeia do leite reforça o argumento do autor, analisando as razões da sua baixa performance, destacando o protecionismo e as falhas de coordenação na cadeia. Como desafios para o setor agropecuário o autor aponta o desmatamento e a persistência dos problemas sociais, de modo particular a exclusão dos pequenos produtores e as condições de trabalho no campo.

A crença generalizada de que o “agribusiness” representa atividade não inclusiva, voltada para produtores de alta renda, é rebatida pelo autor. Lembra a origem do conceito criado por Ray Goldberg, em Harvard, que ressalta o tema da coordenação eficiente. O desafio é incluir os pequenos produtores nos sistemas coordenados de produção agrícola. O autor termina o texto com uma frase de otimismo. “O desenvolvimento irá ocorrer de uma forma lenta, modesta, molecular e definitiva”, frase que lembra citação de Oliver Williamson.

Uma obra com proposta abrangente sempre deixa lacunas e o texto de Chaddad não é exceção. O uso do conceito de “nova geração de cooperativas”, utilizado para designar as cooperativas de Mato Grosso, deve ser utilizado com reservas. Mas são pontos mínimos em uma obra que surge como um texto fundamental para os formuladores de políticas públicas, tomadores de decisão das organizações de produção e para o público acadêmico.

* * *: Post Scriptum: Fabio Ribas Chaddad (1969-2016) faleceu no dia 25 de novembro de 2016 em Missouri, nos Estados Unidos. Fabio representou com brilhantismo a contribuição de uma geração de estudiosos do agro brasileiro. Sua trajetória como Engenheiro Agrônomo pela ESALQ o conduziu até a FEA-USP, onde fez o mestrado e atuou no PENSA. Seguiu para Missouri, onde fez o PhD. Conhecia como poucos as ações coletivas agrícolas no Brasil e no mundo, o que pode ser constatado pelas suas publicações. Tinha um joint appointment no INSPER e na Universidade de Missouri, esteve no Brasil em setembro de 2016 para lançar o livro aqui resenhado em um debate memorável sobre o agro brasileiro. Fabio era casado com Mariel e pai de Rodrigo. Um homem, um pesquisador.

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